Poeta, romancista e historiador, Alexandre Herculano nasceu há 200 anos. A maior influência de Herculano na cultura portuguesa foi como historiador e a sua atitude e escrúpulo contribuíram para a historiografia moderna em Portugal. Herculano deixou ensaios sobre diversas questões polémicas da época, que nasceram da sua intensa actividade jornalística. Hoje proponho a reflexão e comparação com os tempos que decorrem neste trecho do Opúsculo VII: “Duas Épocas e Dois Monumentos”, Questões Públicas (1843), de Alexandre Herculano: “Que somos nós hoje? Uma nação que tende a regenerar-se: diremos mais: que se regenera. Regenera-se, porque se repreende a si própria; porque se revolve no lodaçal onde dormia tranquila; porque se irrita da sua decadência, e já não sorri sem vergonha ao insultar de estranhos; porque principia, enfim, a reconhecer que o trabalho não desonra, e vai esquecendo as visagens senhoris da fidalguia.
Deixai passar essas paixões pequenas e más que combatem na arena política, deixai flutuar à luz do sol na superfície da sociedade esses corações cancerosos que aí vedes; deixai erguerem-se, tombar, despedaçarem-se essas vagas encontradas e confusas das opiniões!

Tudo isto acontece quando se agita o oceano; e o mar do povo agita-se debaixo da sua superfície. O sargaço imundo, a escuma fétida e turva hão-de desaparecer. Um dia o oceano popular será grandioso, puro e sereno como saiu das mãos de Deus. A tempestade é a precursora da bonança (…) O nosso estrebuchar, muitas vezes colérico, muitas mais mentecapto e ridículo, prova que a Europa se enganava quando cria que esta nobre terra do último ocidente era o cemitério de uma nação cadáver.
Vivemos: e ainda que semelhante viver seja o delírio febril de moribundo, esta situação violenta, aos olhos dos que sabem ver, é uma crise de salvação, posto que dolorosa, e lenta. Confiemos e esperemos: o nome português não foi riscado do livro dos eternos destinos.”